O mês de Dezembro é, quase sempre, para esquecer. Recordações, disse a nossa veterana delas! Assim seja:
Dia 7 - Brinquedo
Dos brinquedos ou entretimentos que tive, ressalvo a memória do prazer e excitação sentidos ao abrir os pequenos invólucros com as figuras e descrições de gente de todo o mundo: álbum “Raças Humanas”, série de 128 cromos. Dizia na capa “esmaltados a cores, da colecção Cultura”. Algures nos primórdios dos anos 50.
Houve outros brinquedos... Este urso amarelo, que já não está aqui, há 40 e tal Natais que foi escolhido por ter um ar bondoso e, depois, dado a outro menino.
Dia 14 – Livro
Os livros foram os meus irmãos, os meus primos, os meus amigos, as minhas companhias favoritas. Todos os livros que me vinham parar às mãos, quantas vezes esticada para as estantes altas onde não era suposto uma criança pequena chegar.
Este era mesmo meu e foi-me dado na Feira do Livro, Praça da Liberdade, no Porto: “O Feiticeiro de Oz”, Livraria Civilização – Editora, Porto, edição de 1946, tradução de Maria Lamas. Custou 30 Escudos, o que não era pouco para a época.
Uma história fantástica, com desenhos e liberdade para imaginar e sonhar. Tem as marcas do uso continuado, os cantos esbotenados mas recuperados de muitas intempéries, está ainda aqui, à mão. Precioso, depois de lida a história de mil aventuras e bem resolvida, num final feliz.
Pela vida adiante, encontrei muitas fantasias destas tornadas realidade: a Estrada de Tijolos Amarelos, o Campo das Dormideiras, a Fada Má do Oeste, O Espantalho Errante: sem cérebro, O Lenhador de Lata: sem coração, o Leão Medroso: sem coragem, o Feiticeiro de Oz que era, afinal, um homenzinho vulgar, um prestidigitador fazendo truques, atrás de uma cortina.
Mas houve muitos outros que me ficaram na memória: "As mil e uma noites", a "Maravilhosa Viagem de Nils Olgersson através da Suécia", "Os cinco...", a colecção Condessa de Ségur
Dia 21 – Férias
Como a Lusisinha falou em recordações, fui aos álbuns antigos à procura do melhor sentido de “Férias”, saltando na memória aquelas férias grandes em que tinha sempre tarefas e obrigações para cumprir. Encontrei as saídas de Campismo, geralmente aos fins de semana, ou seja: tarde de sábado e domingo. Todos os vizinhos saíam embasbacados, ficavam às portas e janelas para nos ver sair de casa. Achavam que éramos ciganos! Ajoujados com sacos às costas, onde cabiam apenas os precisos, as tendas, as marmitas de alumínio, a mini máquina desmontada e o candeeiro a petróleo, conservas, uns punhados de arroz e pouco mais. O resto tinha de se improvisar ou comprar pelo caminho. Geralmente, era eu que levava na mão o duplo-tecto enrolado, o mais leve para as mãos pequenas. Os amigos e conhecidos juntavam-se. Os pinhais, o chão de caruma, os fetos e as ervas, uma praia selvagem, lavar a louça num ribeirito, ir à água a uma mina com o saco de lona impermeável, juntar ramos secos para o “fogo de campo” onde à noite todos se reuniam, cantavam, trocavam histórias e piadas. No fim da tarde de domingo, ia-se ouvindo no acampamento: “São horas d´emalar as troixas/adeus ó tia Maria/ à sombra dum arcipreste eu pedi-te um beijo/e tu não mo deste”.
E pareciam-me férias.
Dia 28 – Viagem
O meu filho dizia-me várias vezes “Ó mãe, tu que gostas tanto de pedras antigas, em Roma vais encontrá-las em cada rua.” Voltando (e sempre!) aos livros: li há dias um pequeno livro de viagem de António Mega Ferreira, “Roma”, de que gostei muito. Pelos caminhos e referências históricas, foi um gosto relembrar a única vez que estive na cidade, há quase 10 anos, 5 dias de frio – era Dezembro – de chuva e sol, num incessante caminhar, de manhã até à noitinha. De tantas coisas extraordinárias que vi e senti, escolhi este aspecto do Panteão. Depois de ter sofrido dois gigantescos incêndios nos anos 80 e 110 d.C., foi reconstruído pelo Imperador Adriano, cerca do ano 126 d.C. A beleza intemporal e harmoniosa do templo é plenamente sentida no seu interior, olhando a cúpula (óculo) aberta. Ainda hoje, é considerada a maior cúpula de cimento não armado do mundo.
Tenho de refrear o entusiasmo porque foi uma viagem cheia de peripécias e absolutas maravilhas. Retenho-me no Panteão do meu Imperador Adriano e as suas "Memórias", um os livros que me acompanha há décadas
Fica a pequena praça e os seus encantamentos, de tantos!