quarta-feira, abril 25, 2018

Onde estava no 25 DE ABRIL 1974?

A dormir. Tal como no terramoto de 28.2.69.
Com a inocência da noite e os sobressaltos do dia. Trabalhar. 



O meu emprego era num sítio fino onde a maioria das pessoas eram grosseiras. Os patrões-patrões, acima da pirâmide: é incrível a quantidade de coisas que me lembro desse tempo, do fosso entre essa gente - eram vários, famílias...-, os "lambe-botas" e "os outros". Um chefe-chefe, pequenino e voraz, um fiscal, um torturador de mentes, à antiga portuguesa, se dizia.
Uma das amigas à época que tinha alguém de família no exército,  tinha-me falado no Levantamento abortado das Caldas, em 16.3.74, mas não eram notícias vinculadas por gente "de confiança". A maioria de nós sobressaltou-se: o tempo negro em que se viveu, habituara-nos às informações deformadas, especialmente no que se referia às notícias políticas. O que se conseguia saber passava de mão em mão, de boca em boa, em segredo, tal como o cinema, os livros, jornais...
O terror estava bem instalado.
E eu nunca tinha ido a Lisboa. Lia "O Diário de Lisboa" quando o esperávamos, ao fim de tarde, lendo as entrelinhas, as entrevistas, a intelectualidade e os nomes que nos diziam algo, adivinhando.

A pressa da manhã, a precaridade dos laços laborais (sim, havia e muito!) e os horários: cedo, ao chegar à porta do prédio, encontrei um "velho republicano", colega, que me disse "parece que houve alguma coisa em Lisboa, não se sabe bem". Rádios, internets, telemóveis ou mesmo chamadas telefónicas em horário de trabalho, não existiam nem eram permitidos.
Só à hora de almoço consegui saber pormenores. A alegria invadiu-nos como uma onda. Lembro-me que levei um rádio portátil, à tarde, o que foi o primeiro acto de acobardada rebeldia...
Muitos acontecimentos se seguiram que me iriam pôr à prova: não posso dizer que, pessoalmente ou à minha família próxima, o 25 de Abril me favoreceu, pelo contrário: todo o ambiente em que me movia era um espartilho vigilante e, em muitos aspectos de trabalho, as coisas e relações pioraram muito.
MAS: havia a esperança, uma espécie de fervor que nos tomava (fora das horas de serviço!!!) e transportava para um país em mudança. Logo viriam notícias de amigos de quem não sabia nada há anos: foi um dos meus primeiros pensamentos: "eles podem regressar"!


ah... e a rua, a rua, finalmente muita gente feliz, na rua!
Um privilégio, termos vivido nesse tempo de enormes transformações.
Se me repito não sei. Impossível imaginar como seríamos. 
Há 44 anos que o 25 de Abril nos tomou, pelas mãos, pelos cabelos, pelas lutas.


2 comentários:

jorge esteves disse...

Pouco depois das oito da manhã descia Santa Catarina, ainda embrulhado na inocência do sono. Ia para a IBM, em frente à Cunha. Passou por mim uma GMC do Exército, mas não liguei. Manobras!. Já na rua Sá da Bandeira, um ror de bófias de FBP nas unhas, embora tivessem ar de quem não sabia bem o que fazer com aquilo. Estranhei e acordei. Encontrei o Luís ele atira 'é pá bai por aí uma revolução'. E com dois impropérios e mais uns palpites, entramos, e depois saímos, da IBM. O curso estava adiado 24 horas. Até ver...
Assim comecei o dia 25 de Abril de 1974!
Que GRANDE dia!
abraço,
jorge

Justine disse...

Vamos lá então partilhar: a viver em Lisboa, fui acordada, muito antes da hora de levantar e preparar o Nuno(5 anos em 74, hoje, 29/04, a festejarmos o seu 49º aniversário) para a escola, por um amigo que me deu a notícia. E aconselhando a não mandar a criança para a escola. Fui à empresa onde sempre trabalhei, onde podíamos ouvir as notícias e receber telefonemas de amigos. Claro que à tarde já ninguém foi trabalhar, os alemães compreenderam! E foi um renascer nas ruas!
E na 3ª será o 44º aniversário da maior manifestação de alegria que alguma vez vi pelas ruas de Lisboa, a caminho do Estádio 1º de Maio!
Quanta saudade! Quanta esperança que se foi perdendo pelo caminho...