segunda-feira, dezembro 20, 2021

PPP Agenda para Dezembro 2021

A proposta de L., a pretexto de Miguel Torga e os seus "Bichos", foi baseada na relação que existe, entre nós e eles. Inevitavelmente, todos nos inspiramos em imagens e palavras que nos ligam a animais, ou de companhia ou no gosto deles. Das infâncias e das viagens percorridas.

O cão, ou os cães, que escolhi têm todos histórias de palavras. Este primeiro foi uma fotografia de há muitos anos, diga-se que foi tirada ao pastor no alto da serra de Monchique, num fim de tarde. Mas da conversa, o cão pareceu perceber do afecto e atenção que lhes dispensámos.

Os outros, são cães avulso, ou pastores com eles, por esses montes e vales adiante

Alentejo e Douro

E com a minha mania antiga da Mitologia, encontrei nos milhares de fotografias "O Rapto de Proserpina" com Cérbero, o cão das três cabeças. Estátua de Bernini, séc. XVII, na Galeria Borghese, em Roma. Apesar do mito e do aspecto feroz, o escultor deu ao mármore uma leveza que nos convida a aproximar e apreciar os tons e os gestos.

De seguida "o galo":

Este foi o meu escolhido, no meio do Alentejo, sabendo sempre onde Norte/Sul/Este/Oeste

Memória de Palmela
Memória de praia

Memória de Serpa
Este lugar é mesmo um lugar "livre" para os animais de capoeira! Além da decoração, galos e galinhas andam à solta pelo terreno. Nunca são "comidos", apenas aproveitam os ovos. Gente diferente!



Por mais que goste de animais, não posso deixar de referir o sabor de uma refeição no Douro profundo: uma viagem de temporal medonho, pela estrada 222 - uma das mais belas estradas de Portugal entre Pinhão e Régua - para o jantar de galo assado, no "Maleiro", de antigas tradições.

Vêm seguindo os gatos, com o seu ar sabedor, os seus passinhos de veludo, os seus lugares de silêncio, as suas posições de bichos com personalidade. Lembro um dito que acho muito a propósito: 

"A dog accepts you as the boss, a cat wants to see your resume"


O meu escolhido foi "o gato que limpava janelas" ou, poeticamente lembrando Vermeer "O gato que gostava de pérolas"


Lembrei-me que teria de pôr aqui a Kitty, a nossa gata selvagem, que nos fez companhia mais de 16 anos. Quando veio era tão pequena que cabia num sapato! Tenho um álbum dela, nosso, nas festas ou simplesmente aqui em casa, ou com as visitas em alvoroço de quem ela fugia. Às vezes, pareço-me um pouco com ela que não apreciava confusões nem de coisas fora do sítio habitual...

Sobre "a ovelha", sobre os rebanhos que se iam encontrando, recordações dos lugares, é o que é!







 Gracioso, o cordeirinho na ginástica

E passo ao "pardal", pardais num fim de dia, virado aos campos e olivais do Alentejo



 Neste caso o escolhido pardal que não o é: é um pisco de peito ruivo. Há-os por cá mas este é de uma foto dos Kew Gardens porque se me proporcionou, fui-o seguindo do chão ao ramo.



Com esta imagem e passeio inesquecíveis, já não procuro mais "bichos". 

Nem quero encontrar a "Jóia", a cadela da minha amiga antiga: fazia-me companhia, da casa dela até à minha, uns 2km. É claro que no caminho entre pinhais conversava com ela. À chegada a nossa casa, a minha avó querida dava-lhe qualquer coisa, uma rodela de chouriço ou o que houvesse disponível. E lá voltava a Jóia, percorrendo o mesmo caminho de volta.

 

sexta-feira, dezembro 03, 2021

Arte Nova, Arte Deco e Arte sempre

Interrompo as minhas deambulações pelas férias e eventos passados, em coisassoltas que me vêm ao pensamento e à deriva fotográfica. Ainda estou a memorizar saídas em 2009 e portanto há 12 anos. Chegar-me-á o tempo de rever uma visita feita há três meses ao Museu B-MAD? Certamente não...

E vem a propósito de ter visto em Setembro o Museu do Azulejo, ter estado em Estremoz e tê-lo referido "em público". Admiradora (im)penitente destes projectos de arte, deste coleccionador que proporciona ao público em geral a visão das obras da sua colecção, aproveitou-se uma "pequena hora de almoço" em Alcântara para o visitar. Numa antiga residência do Marquês de Abrantes e posteriormente propriedade do médico António Flores, o edifício "é uma casa de exposição" compartimentada, pelo que a visita é marcada com antecedência, em grupo controlado e com guia. Não dá o tempo e as palavras, do guia e as perguntas das 15 pessoas, para observar sem pressa as belezas da arte exposta

Almoço na Lx-Factory, ali em frente e é só atravessar a rua.



Fico-me pela entrada, observada com todos os pormenores em espera do grupo, com a promessa que "lá cima" seria o mesmo encantamento fluído dos olhos em deslumbre-amento. Todas as outras fotografias, tantas, hei-de soltá-las como pássaros, no outro lugar "memorável".





As informações são muitas... Não tenho cabeça para tudo e já passou um século de grandes modificações no mundo; e arredores. 

Sei da Arte Nova que sempre apreciei intensamente (a poesia e a natureza nas formas), sei da Arte Deco que a seguiu, numa depuração de estilos e materiais. Sei, ou li ou ouvi, que o edifício do séc. XVIII foi "residência de veraneio" do Marquês de Abrantes, que já não vivia "mal" no seu palácio de Santos - hoje Embaixada de França - e, posteriormente modificada, casa do notável neurologista Dr. António José Pereira Flores. Foi abandonada por causa da construção da Ponte 25 de Abril que ali está mesmo em cima. 

Percebe-se em lá andando.

Uma colecção de "coisas" excepcionais. E ainda bem que José Berardo e seus colaboradores a reuniram para apreciação pública. Tal como em outras mostras das suas colecções, qualquer avaliador poderia olhar para uma das peças (por exemplo das expostas no CCB) e dar-lhe um preço exorbitante. São aspectos que me são relevantes e não dissocio da pessoa em causa: mostrar a fortuna publicamente. 

Uma vez vi uma exposição na Fundação sobre a vida de Calouste Gulbenkian, o senhor 5%. Fui correndo as fotografias da sua vida, a natureza dos seus negócios e a descrição da sua irrascível maneira de ser, sem me lembrar de pôr em causa "o que teria feito ou mandado fazer" para reunir tantas peças, e quadros e gravuras e caixas e mobílias, extraordinárias. Um golpe de sorte e muitas negociações secretas trouxeram para o nosso país o acervo e a herança póstuma deste homem. Em boa hora!

A minha esperança e vontade é que se apreciem as pessoas em vida: é demais quando se ouve ou lê "ai, era tão boa pessoa mas..." quando alguém morre. Ou o contrário, ainda pior!

Gostei muito.

 

domingo, novembro 28, 2021

PPP Novembro 2021 - O Tacto

Como muitas vezes me acontece, retiro fotografias de escolhas várias, para os assuntos propostos.

Do "tacto" que foi referido no relance das subidas e descidas ao Pulo do Lobo, sobraram-me estas, de outras coisas de tocar. Uma secretária de uma amiga, um gosto de tactear e perceber a minúcia de todos aqueles baixos-relevos. Veio da Índia há muito tempo e foi especialmente feita para os avós - ou bisavós??? - dela, com alegorias e as imagens das pessoas elas próprias. As mil e uma gavetas - uma de segredo - ainda guardavam as aparas de pau sândalo; e do toque e visão se dava conta do extravagante odor de incenso da madeira. Que mãos, que artistas, a modelaram lá tão longe? Um primor, uma obra que nunca esquecerei, mesmo não sabendo onde pára, nestes tempos em que o útil se torna inútil e "desadequado"...


E os ouriços viçosos nestes castanheiros onde não se pode tocar: mas que dão vontade de o fazer! Uma viagem em que todos os sentidos nos foram requeridos. Ainda com a memória deles.

 


sábado, novembro 20, 2021

O rio que não volta para trás

Foi interessante encontrar hoje este poema, numa leitura sobre "morte assistida" num jornal inglês.

E lembrei-me da proposta que redigi para o PPP para a última semana "Tacto". A primeira vez que ali se esteve em 2001, não havia bastões de caminhada mas as pernas aguentaram. Em 2011 e em 2016, as fotografias. Passeando pelas imagens do "tacto" que foi necessário reunir para uma descida íngreme - e a subida! - de um lado completamente selvagem, penso que mais de 1 km de pedras e precipícios. Os dedos das mãos e dos pés, muito atentos às pedras roladas ou agudas, tacteando o caminho. Os outros sentidos "em sentido", que era preciso observar bem o lugar perto e longe, não escorregar na visão das cores extraordinárias das pedras,  cheirar todos os cheiros das estevas e ervas do monte, torturadas para se agarrarem à vertente, a audição no máximo, que o rio Guadiana se espelhava e despejava abaixo. 


O Poema é de Kahlil Gibran, retirei-o da net. Curiosamente o rio=the river é feminino na língua inglesa:

The River cannot go back

It is said that before entering the sea
a river trembles with fear.
She looks back at the path she has traveled,
from the peaks of the mountains,
the long winding road crossing forests and villages.
And in front of her,
she sees an ocean so vast,
that to enter
there seems nothing more than to disappear forever.
But there is no other way.
The river can not go back.
Nobody can go back.
To go back is impossible in existence.
The river needs to take the risk
of entering the ocean
because only then will fear disappear,
because that’s where the river will know
it’s not about disappearing into the ocean,
but of becoming the ocean.

Sem a preocupação "se antes, se depois", a beleza dos sítios. E o meu espanto de ter lá ido. Porque agora, com os tais "de passadiços", obras enfatuadas a ser efectuadas, não se encontra sequer um caminho viável para ver o rio, mesmo de longe. Tudo é progresso, tudo são modas, tudo é efémero.












Coisas: de poemas, pedras, sentidos e afins.