terça-feira, maio 29, 2007

Paisagens com mistério dentro

Vista de Tenerife, ao centro o Teide, à esquerda "Los Gigantes" - foto Wikipédia











Há já semanas, esta foi a minha imagem no PPP para "Solidão". Limitei o meu pensamento a um único sítio, apesar da interpretação tão vasta. Uma ilha, um lugar onde me deparei com mundos de silêncio que não esperava encontrar.
As fotos são antigas, lembrei-as em tempo feliz.

Los Gigantes ficam na parte de Tenerife Secreta ou Isla Baja, no litoral noroeste. Estradas estreitas cortam encostas escarpadas ou imensas plantações de bananeiras. Procurar uns rochedos loucos dos quais unicamente se leu um pequeno apontamento: caem de alturas de 600 m para o mar e descem à profundidade de 30 m abaixo da superfície. Como as ilhas Canárias são vulcânicas, é com um temor instintivo que se olha para o majestático vulcão Teide, autor de toda a incrível e mutante paisagem.

No fim do dia longo, aproveita-se um sol oblíquo que desce lentamente, viramo-nos para o seu leito de mar rosa e para o poente mais poente.

De repente, passado um pequeno relevo, salta-te o espanto: "olha, é aquilo!". E páras em silêncio.
Só se pode ficar calada, num momento de tal solidão, em que tudo te fica para trás e ao longe.

Na descida, olhamos o complemento do sonho misterioso: um aldeamento de luxo subindo pelas encostas, harmoniosamente compostas de árvores, pedras, arbustos floridos. O tesouro que reconheces não pertencer ao turismo de massas mas ao turismo do cartão dourado. Ou aos curiosos passantes como eu.

Uma marina acomodada de iates elegantes e serenos, um mundo principesco, lojas de moda como a Burberry, vês nomes e julgas estar em Londres, lojas gourmet, restaurantes de luz e cortinas veladas, carros silenciosos, onde tudo parece ter-se posto de acordo com o luxo informal.

Sais por onde vieste porque a parede rochosa ao fundo parece encerrar o palco: acabas de espreitar, intrusa, o reino enigmático dos solenes muito ricos .

domingo, maio 27, 2007

Torre


Por vezes, quando parecia que não conseguia fazer-me compreender, em simples trocas de palavras ou opiniões, perguntava: mas eu estou a falar chinês?

(Isto antes da grande potência, agora assustadoramente emergente, se ter espraiado por tudo quanto é sítio. Porque agora eles compreendem bem as nossas hesitações e dizem-nos "é balato" ou "plice", a gente compreende, ou a mímica funcional baixa-nos as barreiras!).

Realmente, sendo que eu privilegio a palavra como fonte de entendimento, raras vezes sentia os outros em sintonia com o que digo. E, ainda, muito menos com o que penso. É frequente reparar que a concordância é puro instinto de grupo. Se tens um pequeno mal a relatar, alguém te submerge com um mal maior. E no fim "everything is going to be all right"!

Onde pretendo gentes que falem a mesma língua.

Aparece-me, cínico, um dos meus pintores de estimações: Bruegel e "A Torre de Babel", de 1564.
Sentindo-me, como sou, uma caçadora de sonhos, tive o assombroso gosto de procurar e ver o original no Kunsthistorisches Museum, de Viena.
No sec. XVI o pintor meditava sobre a importância de nos entendermos hoje.
Loucura, progresso ou ousadia humanas?
Ou a solidão em muitos lugares e às vezes, com tanta gente à volta.

quinta-feira, maio 24, 2007

Reflexão pessoal


Porque não hei-de confessar um incrível cansaço?
Recorro aos Açores onde parece que encontrei tudo o que me poderia reflectir, desde a doçura das distâncias enganosas à agressividade das descidas para o mar.

Como se tivesse esbarrado com este tronco velho e polido pelas tempestades, árido pelo sol.
Andei à volta dele, com cuidado, sentei-me.
Sinto-o aqui, onde me magoam todos os ossos, nu e áspero como o que penso.

Para os que pacientemente me visitam, para os que vêm pela porta do meu quintal, o silêncio só pode ser compreendido como a imagem deste tronco perdido na areia.

quarta-feira, maio 23, 2007

Os novos




"Estilhaços
Uno-me em pontos supensos,
Suspensa em telhado de vidro.
Vidro estilhaçado nas mãos,
Mãos que seguro para não quebrar."
pág.16
"O teu lugar

Embala-te nos teus braços.
Faz de ti o lugar
Onde podes encontrar aconchego.
Envolve-te num abraço
E nunca te deixes cair.
Tu és tudo o que tens.
Embrulha-te em ti,
Agarra-te com força.
Tu és o teu lugar
E não te podes desabitar."
pág. 48

O lugar dos novos, Isabel Nogueira e o seu livro editado "Retalhos".
Uma voz para ouvir no monte, no espaço ilimitado.
A Isabel é uma menina que deu aqui som e liberdade à sua poesia diáfana mas sentida, no blog

Como não festejar o que é novo, bom e bonito.?Ainda por cima, passou-nos pelos sentidos o nervosismo das primeiras letras...
Espero com estes dois pequenos textos que escolhi, ter dado o reflexo da alma que os sentiu.
E que outros a queiram descobrir, espelho inteiro.
Parabéns, menina das esquinas luminosas.


sábado, maio 19, 2007

Vida de pássaro




Voltarei, para descobrir sol entre prédios arruinados. Está uma árvore ao fundo.

Eventualmente, pássaros.

Sempre que tiver um ângulo, uma grade, uma porta, me lembrarei.


Esta é uma brincadeira com uma fotografia que me mandaram. Quem brincava com fotografias e as fazia palavra, mensagem.

terça-feira, maio 15, 2007

Dunas e trilhos em solidão







Lembrar o S. com as flores que ele gostaria de ver.
As flores humildes de que ninguém cuida.

Hoje vinha sentar-me aqui com tantos pensamentos bonitos! Era Maio e uma data do lugar meu.
Mas não tenho palavras.
Que importância tenho eu se outros olhos belos se fecharam?

Sofro com a família que não sei.
A eles, um membro que lhes faltará sempre. A mim e a outros, um irmão do espírito que nos morreu.

Este momento é dedicado a amigas e amigos com quem poderia desabafar e chorar hoje, se os conhecesse. Prantear pela morte, por ele, lamentar vidas, com eles.
"Visitei o teu lugar silencioso, para ver o teu último olhar. Entra uma ténue luz pela portada branca. O vidro das lágrimas, corta-me a visão.
É a memória que guardarei de ti, meu querido amigo."

quarta-feira, maio 09, 2007

Viagem à Pérsia, como antigamente a conhecíamos das Mil e Uma Noites




Irão.
Não, não iremos nem irei.
É mesmo o Irão. Aquele país de que se fala, mal, e nos meteram na cabeça à força fazer parte do "eixo", qualquer que seja o que os US queiram sugerir.

Duma viagem cultural, uma amiga trouxe-me o itinerário dos 15 dias deslumbrantes que lá passou, dando a volta a todo o país. Escuso-me a falar do desenvolvimento duma civilização brilhante desde a Antiguidade, das cidades mongóis, das da Rota da Seda, da preciosa arqueologia recolhida, em museus ou ao ar livre, das cidades e da poesia persa, das mesquitas sumptuosas dos sultões, da Mesopotâmia, das montanhas e planícies, dos desertos, das grutas com baixos relevos, dos jardins, dos mausoléus.

Falo do que ela me disse ser a descoberta de um mundo diferente, rico em arte, gente amável e tranquila, tão diferente do que nos relatam os pressupostos comunicadores do Ocidente.

O postal da Grande Mesquita de Yazd, de cúpula azul, diz ter sido construída em 724 H (correspondendo ao ano 1345 da nossa era).
Esta antiga cidade de passagem de caravanas, teve enorme prosperidade até ao sec. XVII precisamente por ficar na Rota da Seda, que ligava o Mediterrâneo à China, através da India.

O outro postal mostra parte de um mausoléu do sec. XIV, em Soltanieh. As decorações têm todas um valor simbólico, reproduzindo letras de caligrafia artística, nomes de Alá e de preceitos islâmicos: representam a benção divina.

Como não precisamos de saber ler árabe para a receber, e pedindo a deferência de todos os deuses para o atribulado momento que a Humanidade atravessa, com ela ficamos todos abençoados.

segunda-feira, maio 07, 2007

Entretenimentos no Mosteiro











Não os imagino tristes e calados, frugais, os monges que ali viveram mais de 400 anos. Pelo menos pelo refeitório e em tantos pormenores do cadeiral, no coro alto. E se observar bem os milhares de figuras esculpidas nas belíssimas colunas, dá-me para supor que teriam ocasião de recrear os olhos e imaginar outras vidas lá fora. Direi mesmo que se encontravam representados muitos dos pecados do mundo a que tinham renunciado.

Desdobram-se as alegorias, como filme ou diapositivos onde certamente os clérigos espaireciam a mente, entorpecida por missas e mistérios.

Nas imagens "limitadas" pelo decoro religioso, há lugar para efabulações. Como por exemplo, nesse azulejo do refeitório (que escolhi na semana passada para o PPP), onde a dama já descalça e sentada na beira da cama, limita os movimentos do mancebo que tenta fugir, agarrando-lhe a túnica. Escorregando nas sandálias, o nosso jovem ...o resto poderá ser devaneio ao sabor da solta imaginação canónica "ma non troppo".
Depois, e depois de séculos passados, uma alegria ao ver as nossas crianças ali, alegres, agora.

terça-feira, maio 01, 2007

Diferenças de cores







Os olhares coloridos do PPP esta semana, foram deliciosamente imaginados por 41 pares de olhos visionários. É a primeira vez que se reunem tantas e tão diversas contemplações até porque a palavra se presta a amplas imagens e alegorias.

Tem sido uma experiência rica esta troca de olhares. Estética e humana. É ver que cores subtis ou cores vibrantes, ou cores experimentais, ou cores humorísticas, surgem em flores, vitrais, portas, colares, vaca(s), azulejos, santos e profanos, esquinas ao pé de casa e muros de passagem. Uma explosão de vida como a vemos. Diria, neste período de Abril/Maio libertários, que se trata de uma manifestação de todas as ideias que nos surgem em completa e livre escolha.

Por isso, a apoteose de cores sintéticas no cemitério que fotografei em S. Miguel, são a minha preferência da semana passada. Em liberdade de pensamento e porque me encantou a resolução prática dum problema do lugar: no cimo duma das lombas (ou montes), completamente ao vento e à chuva, em frente a uma imensidão de água.

Longe de mim a crítica. Respeito opções coerentes e ali trata-se de festejar e lembrar os mortos da forma mais ...eficaz possível. Desgarrados de qualquer distracção, só poderemos pensar em almas soltas, olhando as cruzes, as flores e um azul-campânula do céu junto ao azul-forte do mar. Que melhor sítio para rezar em plena Natureza?

Ali, tradição e religião são mais verídicas e mais simples. Juntas, em ritmos naturais, como a celebração da Páscoa com flores e o culto do Espírito Santo com as coroas em prata. Aqui, fica recordação dos caminhos, da paisagem e da Igreja.

Ilha em curvas de encantos, certo que arranjarei maneira de a trazer ainda, ao sabor de um qualquer pensamento errante e deslumbrado.

Primeiro de Maio 1975







Fotos recuperadas de uma alegria imensa. De um companheirismo actuante. Novos e esperançados, velhos e motivados pela mudança. Tivemos aí a certeza de que podíamos sair à rua, que o feriado nos era finalmente dirigido e merecido.

Hoje, uma grande percentagem de nós está reformada, de fora ou em vias de ser varrida do sistema. Ou nunca se pode integrar nele.

Ou nunca encontrou emprego depois de o perder. Ou sente-se ameaçada pela diligente eficácia dos ministérios. Ou anda a monte e a prazo em lado nenhum onde tenha raízes.

Uma sociedade não é verdadeiramente justa e democrática se prescinde das suas forças de trabalho, vivas, experientes, em nome duma qualquer poupança ou reforma de estatutos.

O poder e as decisões deveriam estar nas mãos dos melhores: não os melhores em equilibrismo tecnocrata ou malabaristas da palavra. Os homens e mulheres bons deste País haverão de encontrar um caminho e gerir esta casa como uma casa de família: uma casa onde nos sentiremos confortáveis, seguros, independentes.

Uma família de valores humanísticos, culturais e patrimoniais.

Esse é o significado de estarmos juntos neste Dia do Trabalhador: a construção da nossa Casa Grande onde poderemos viver em plena igualdade de deveres e direitos.

Em justiça e em paz.

Que nos permitam anoitecer com esta esperança ainda!