quarta-feira, janeiro 31, 2007

Porto/Suécia












" A Viagem Maravilhosa de Nils Olgersson Através da Suécia"
de Selma Lagerlöf

"... Todos gritavam alto: só um bando de patos bravos voava em silêncio, enquanto Nils pôde segui-lo com o olhar.
Mas o triângulo formado por esse bando estava em perfeita ordem, com os intervalos certos, a velocidade costumada e o bater de asas vigoroso e rítmico.

Nils sentiu uma sensação tão dolorosa, uma saudade tão intensa que quase teria preferido voltar a ser o Polergarzito, para poder viajar com um bando de patos bravos, por cima da terra e por cima do mar."

Reflexão. Como uma seta de luz, vinda de tão longe.
Um dos poucos belos livros que eram mesmo meus; ainda o tenho.
Quase 50 anos e a maravilhosa sensação de viajar, livre, mantem-se inalterada, como o meu espírito que paira acima de quem não quer ver.

E era fim de tarde de Janeiro, junto ao rio de ouro e chumbo. Um passeio sequencial.

Fiquei emocionada ao olhar, vários bandos de patos selvagens, voando em V, nas plácidas nuvens rosadas.
Vinham da foz do rio. Do Atlântico? Inflectiam vagamente para Norte, o mapa desenhou-se no meu pensamento: regressam, passaram o Inverno noutras paragens. Que paragens?

Tão belos que eram!
Senti alegria, voltavam a casa para o degelo.
Nils deveria já ter aprendido a lição do bando de Akka e de gnomo passou a rapaz sensato.
E eu? Quando ouço o som e vejo a nascente?
Tudo o que de profundo nos ensinam os bichos, sobre a natureza do Homem.
E nesse fim de tarde, as viagens e contos de infância, como se tivessem sido mais que sonho.

quinta-feira, janeiro 25, 2007

A explicação do Medo










Pequena, era bem comportada. E, por isso, só podia ser um anjo que me seguia pelas escadas, às escuras. Meu pai queria que apagasse a luz e subisse, "para grandes males, grandes remédios". Mas não é assim. Dúvidas persistiam.

Podia ser o "mafarrico" de quem eu ouvia os crescidos falar, sem perceber. De qualquer modo, algo de soturno e rastejante. O "diabo" veio mais tarde. Com a religião. Mesmo sem frequentar igrejas, esse outro anjo expulso do céu perseguia os sonhos, os pecados, as virgens, os tolos (havia um "tolinho" que berrava palavras feias e sempre me diziam que tinha o diabo no corpo).
Os santos eram sempre torturados, nus e pobres. Faziam-me pena, sem susto.

De ser grande, percebi que não tinha medo de ninguém. De nada. A minha coragem era transparente como a verdade. Mil vezes/mil quedas, outras tantas de pé.

Eis, enfim, a explicação do medo, algumas pontas estarão por aí, as coisas indizíveis:

Os precipícios parecem-me bonitos comparados com hospitais. O lixo é-me coerente comparado com a dor que se espalha e nunca se recicla na minha cabeça. A tempestade entusiasma-me mais que um forçado silêncio ou uma algazarra sem sentido. As imagens terríveis das igrejas deixam-me indiferente comparadas com as cenas de guerra. A calma beleza dos cemitérios dá-me um sossego que não existe na rua. A miséria assusta-me mas pode ser sempre limpa e envergonhada, sem se deixar ver. Não estou no olho do furacão nem na fractura da terra.

Então, que medo?
O mal. A degradação moral de tantas pessoas. A banalização do sangue e da violência. A solidão. A doença. O sentir que todos falam outra língua, não a tua, e nunca te farás entender porque os teus gestos se perdem na indiferença das costas viradas ou dos risos alarves.

Por isso, mascarei o meu medo de "Adamastor", antigo e lido em idade aúrea.
Por isso, fui à estátua e admirei-lhe as formas, escolhendo-a, brincando.
Explico-lhe, assim e aqui, o sentido. A hidra de mil cabeças e os pregos dos meus pesadelos. Os meus pânicos, domésticos, privados, junção de todos e outros que inventei ou habitei.

Uma "aparente imagem de medo" que é só imaginação artística.
Para meu descanso: foto tirada na claridade, esconjurando pavor do escuro.

Refúgio de palavra na arte.














terça-feira, janeiro 23, 2007

Da Música






...teria muito a dizer por tanto que a sinto, há tanto tempo.
Como do Desenho. Como do Livro. Como da Palavra.

Se eu vivesse mais que a metade do tempo que vivo. Nem sei para que chegarão os dias ou as noites que estão para vir. Nem se escrevo tudo o que irei querer. Ou até se irei querer.
Dias balançam entre silêncio e controvérsia.

Esta é a sequência da foto que escolhi para "Música" do "Palavra puxa Palavra". Na altura que tirei estas fotografias era Primavera plena. Achei graça quando se desfez a procissão e as meninas pediam às mães para lhes tirar as grinaldas à banda e descalçavam sapatos.
Os homens conversavam e alguns pousaram simplesmente os instrumentos que tocavam na relva, no muro.
A procissão era a das corôas do Espírito Santo, em Povoação, S. Miguel. A música tocava um misto de acordos dolorosos a lembrar, vagamente, partes dos filmes de Francis Ford Coppola. Vimos brilhar o cortejo no cimo duma lomba e corremos pelo monte para o ver de perto.
Coisa pequena e todavia tocante. Talvez isso e o ar tão puro da manhã, trouxeram à tona de mim o lado místico e respeitoso que sempre tenho com as tradições, religiosas ou não.

Esses dias foram como descobrir tesouros, tocar o céu em mil formas, ver sempre o mar, ondular os olhos ao sabor dos recortes dos montes.
Atlântida, sem dúvida a imaginei ali. Seres e terras especiais.
Voltarei, sempre "que a saudade apertar".










terça-feira, janeiro 16, 2007

Aqui



... posso querer quase tudo
(ou tudo se exceptuar que "tudo" me entendam).
Hoje apetece-me um comboio velho que me leve pelas paisagens eternamente lindas.
Douro, Tua, onde origens se perderam.
Estender os braços e com a mão tocar as ervas, no vagar manso que só esses comboios têm.

Depois, encontrar algures umas termas esquecidas, um santo milagreiro.
E um ninho vazio, esperando-me, ave de arribação.

sexta-feira, janeiro 12, 2007

Meditativos fiquemos hoje










Mais a paisagem e as furnas e as flores e lá no alto, será que existimos?
Nós, o quê?







De Abril, águas e vapores mil










Diz-se
que recordar é viver.
Recordar o que foi lindo é, pelo menos, fugir para a ilha da Beleza Feliz. Sem falar nem explicar porquê. Precisar de Felicidade, somente.

No jogo do "Palavra Puxa Palavra", e neste caso a palavra "Física", a minha fotografia foi escolhida das várias que tenho das Furnas, S. Miguel, essa ilha mística com cor de esperança e nome de arcanjo.

Impressionante sentir viva e ofegante a respiração da terra.
O contraste com a plácida paisagem.
O perto e o longe. Adivinhado, um fundo convulso.

Para quem não conhece, algumas sequências de lama, vapor, com mistura de cheiro a enxofre e ferro. Uma inquietude no solo e no ar.

Apetece ficar por ali, como numa catedral, a invocar os deuses, a descobrir sinais e cores diferentes no barro e no verde.
A provar todas as águas, a senti-las com a mão e a boca.
Wagner, grave. Sons de um mundo desconhecido.
E o chão que nos atrai o espantado olhar.

terça-feira, janeiro 09, 2007

(Re)Volta no ano que se desejava Novo









"Un bien n'est agréable que si on le partage" - Séneca

Esta forma de estar eu, não tem sido fácil. Muitas vezes encontro o vazio: alguém ("alguéns") levou o que dei de tão boa vontade
a alegria o bolo o jantar o livro a intimidade
A vivência tem tido dísticos, metáforas, desertos, coincidências demais. De há anos passados, me é mais difícil saltar sobre areias movediças, gentes. No fim do ano, como um ciclo, (re)voltam esses pântanos, esses juncos podres que escondem abismos pessoais. Reparo que não só meus. Um tempo que cansa, antes e depois dele.
O meu alimento principal é o do espírito e aqui, muito especial e anonimamente, o procuro também.
Sem mais palavras que se vejam
deixo que imagens falem.
Não sei se hei-de ir à volta
de mim ou outros.

Não sei se hei-de ir pela flor no lago, pela ponte, se passar o rio a vau. O outro lado parece tão límpido... e corre para o mar!
Algum dia, distraidamente como é todo o acaso, tudo se resolverá.
Ou chega a Primavera e deixo de sofrer esta agorafobia asfixiante.