segunda-feira, dezembro 31, 2007

Guardar o tempo III






Por causa duma imensa falta de beber esperança em ti.
Um "deixa lá...".
Alguma resignação que te discutia porque eu tão pouco conformada.
Mas tinhas um enorme regaço para as minhas tolas explicações, essas de não aceitação e tantas outras.
Como se o teu coração tivesse sido feito à medida do mundo que recebias, dilatando-o para incluir quem mais aparecia com as suas questões de vida.
Foste assim, sempre.
Conheço como em ti se cruzaram, sem nunca se misturarem, os fios de destinos tão diversos. Pudesse eu juntá-los todos e perguntar o que fizeram, afinal, por ti!

Sol que se abria junto ao rio. Divertidas com as figuras de cera ou molhadas pela chuva de Londres por tantas avenidas e pontes que atravessámos.
Faria contigo e pelas nossas fotografias, o roteiro dos dias e dos lugares.
Amor teu pelas coisas. Brotava-te naturalmente tal como o riso nos museus, diante das estátuas onde querias que te fotografasse.
Parávamos frente aos quadros magníficos de que te falava baixinho, arrebatadas por tantos vestígios da beleza ou crueza dos homens.
Curiosidade nossa nas pedras onde se inscreveram séculos de outras culturas.
Espanto teu ao ver-me a emoção, sentada diante do pequeno quadro de Van Gogh, na National Gallery, "Girassóis". Dizias que nunca tinhas visto chorar por olhar um quadro, ainda por cima de flores! E como te explicar que era só o ter preenchido, na realidade de estar ali com ele, uma antiga e vaga imagem num livro?
Do teu gosto aprendiz do meu conhecimento.

Da ternura amiga, preservar o nosso tempo numa fase cortada.
Numa face incompleta.
Para sempre.

domingo, dezembro 30, 2007

Trazer o tempo II







Impossível voltar, terei de o trazer.
O tempo, amiga minha.

Mas como seria uma vez mais fazermos projectos e rir dos jantares e reforços alimentares espalhados sobre a cama? Bolachas, fruta, sumos, algum "take-away" tardio, chinês, indiano ou o que encontrássemos pelo caminho a desoras.

O nosso hotel B&B sem estrelas mas com o fausto das velhas divas: branco, victoriano, escadaria monumental, fogões de sala e espelhos, tapetes e janelas puídos de passos e braços. E aquelas salas para onde espreitávamos e onde se amontoava toda a tralha que me encantava: biombos, cadeiras, sofás pernetas, mesas e mesinhas, porcelanas e móveis desirmanados uns dos outros, cortinas empoeiradas e edredons acetinados já sem côr.
Vinte anos atrás, conhecia as pessoas que lá viviam e todos os cantos à casa. Contei-te a saga do "Portuguese Empire" ali naquele hotel de trabalhadores e estudantes, emigrantes e fugitivos, chegados e aportados ali pelo azar ou sorte.
Tomávamos, num salão virado para o parque, o pequeno almoço de chá e torradas que mais não havia. E sentíamo-nos princesas!

Saindo de manhã para girar nas ruas, parávamos para o nosso "english breakfast" anunciado em cada esquina: dizia-te que tínhamos que comer e bem, aí pelo meio-dia, para que o alimento nos rendesse o tanto caminho que fazíamos a pé.
A festa era ver como te divertia comer salsichas, feijões, ovos, bacon, torradas e compotas como se almoço fosse.
Ou "burritos" no mexicano, ou fish & chips, ou hamburgers ou fatias de pizza de mastigar despreocupadamente, pela rua adiante.
Esse era um novo divertimento teu que nos aquecia às duas!

Atravessámos os parques e demos comida aos esquilos, víamos as bravas flores de Fevereiro como setas a aflorar a terra e a chamar a Primavera, botões brancos, amarelos e roxos.
Admirámos os lagos e as árvores, os patos, as estátuas, os caminhos, as casas.
Nos mercados, perdíamos a cabeça a bisbilhotar lojas exóticas: recordo bem ter visto um quimono lindíssimo a que se me colaram os olhos. Contas feitas, deixei um suspiro e trouxe a lembrança dele...!

sexta-feira, dezembro 28, 2007

Ir buscar o Tempo I




...e vivê-lo como se hoje fosse vivo.

"Alameda" do PPP recordou-me o nosso contentamento e uma viagem de Inverno.
Um início de Fevereiro gélido.
E no entanto, quem nos lembrará o frio que julgávamos ter?
Tu, já não.

O médico marcou-me uma consulta num hospital de Londres; com o calor da tua companhia amiga, esqueci de todo as ameaças desses anos.
Só me sobra a pequena alegria de ir "buscar o tempo" dos nossos olhares e bolsas modestas.
Reviver as nossas maravilhas cúmplices e o teu espanto com tudo. De poder falar e andar como nos apetecia.
Ninguém nos olha ou comenta; e os olhos ali não pagam para ver paisagens, felizmente!
Como ao atravessar o Hyde Park e apanhar uma comitiva da realeza em trânsito.
Ah! mas aí espantamo-nos ambas e eu senti uma quase fibra de repórter ao disparar a máquina fotográfica, sem falar nem respirar.

quinta-feira, dezembro 27, 2007

Luz suspensa


...que mandei a amigos de quem conheço andanças e endereços.
Achei esperançosa essa simples lua apanhada acaso numa janela.

Já a ofereci como símbolo.

Esqueci-me de a oferecer a mim.
Eu que sempre peço, e quero, "a lua".

Melhor ainda: uma lua levantada das árvores, um sol deitado no mar.
Fica-me assim:
um simples, tão simples, desejo.

terça-feira, dezembro 18, 2007

Porque a chuva hoje


A todos os lugares que visito por afinidade
(ou delicadeza),
àqueles que aqui passam,
com amizade e alguma coincidência de ideais,
aos mais de 40 companheiros do Palavra Puxa Palavra http://outrostemas.blogspot.com/
que há tantos meses se cumprimentam, semana a semana,
alegres de partilhar olhares, palavras
e quantas tristezas feitas imagens do mundo!
Não tenho outra forma de vos dizer o tanto e quanto me estiveram próximos e me permanecem.

A todos deixo um aceno/mensagem de porta meia aberta

uma chuva não fria
uma chuva quente que vos envolva o coração
uma chuva de coral
DEI (Depois de Escrito Isto): reparei nas minhas tolas figurações que nem sempre são perceptíveis: a menina planta é de origem da América Central, chama-se russelia equisetiformis
ou chuva-de-coral.

domingo, dezembro 16, 2007

A palavra e a época dos sermões




Posto que vivemos em sociedade, a palavra proposta para a semana passada no PPP foi, evidente, Natal.
Seria preciosismo a explicação de duas ou três opiniões, na aparência divergentes, sobre o assunto.
Há seguramente gente muito cansada das injecções consumistas e delirantes com que somos bombardeados, na mais impura das alegres intenções.
No fundo, todos desejam o melhor. Nesta época para si e abrangendo os outros; porque não fica bem demonstrar distanciamento ou egoísmo.
E muito mal fica deixar um aviso à porta da fábrica a dizer "Fechado".
Mas será gente que não acredita no natal e a quem não vislumbraremos a cara.
Antes ver os cem-mil-sem-abrigo expondo as suas barbas mal cuidadas e a sua dolorosa solidão ridente para as câmaras. Percebemos que uma vez algo lhes conforta a fome e o abandono.

A corrente contra a qual esbracejo é sem dúvida a da alienação.
Toda e qualquer. Agudamente mais vincada e rústica em certas épocas.

A imagem da menina é uma foto de foto (original de FM). Dou com ela a sorrir quando dobro o caminho do corredor pois que está cá em casa há muito tempo.
Os azulejos representam o "Sermão de Stº António aos Peixes".
E dizia o orador:
"Já que me não querem ouvir os homens, ouçam-me os peixes"

quinta-feira, dezembro 13, 2007

Visão do céu






(muito apropriada à época)

Mais um dos meus amores que tem a ver com a fotografia.
Prefiro um lugar à janela e faço-me sozinha em avião particular, suportando olhares indefiníveis perante o meu ar de aldeã que desceu à cidade.

Eu subo aos céus.
Saco da máquina às três pancadas e fico-me feita ave.

Esta uma visão encantadora da península de Tróia
- e Lisboa/Tejo
- e o Jardim e Basílica da Estrela (donde olho aviões no ar)
- e o parque Eduardo VII

(parque por onde tenho vagueado ultimamente, em memórias colectivas de cisnes, árvores, estátuas)

quarta-feira, dezembro 12, 2007

Descalços no parque I








Tento o vislumbre "além de".
Mas o pensamento visível desliza pela superfície das palavras-coisas que me são oferecidas.
Era uma tarde fria e feliz, fulgurante.

Um acaso que novo os cisnes me tentem o olhar.

Talvez pela elegância me façam recordar algumas das poucas pessoas que nem conheço.

terça-feira, dezembro 11, 2007

Deusa no parque



Sorria de cegos olhos, virada para o poente.

Minerva, filha de Júpiter.
Deusa da sabedoria, das artes e da guerra.
Quanto ao último dos seus atributos, será dispensável nestes tempos de enorme cólera.
Porque não são os deuses que estão loucos: são os homens.
Os mandantes, de pantufas e aquecimento - ou arrefecimento - central.
Com casas, carros e servos.
Despejam opiniões certificadas, inventam armas, divergem de consensos equilibrados.
Poder que lhes deve servir de afrodisíaco para a impotência de se comportarem como seres humanos.
Simplesmente: como seres humanos.

Minerva sorria pensando que por sorte lhe coubera ser patrona dos engenheiros.
Imagino que lhe apeteça deixar cair o mundo e a ave.
Guardará o livro e os outros elementos do saber.
O segredo de fazer nascer do nada uma oliveira florida em Dezembro.

terça-feira, dezembro 04, 2007

Um discreto distanciamento












Todos sabemos de portas e portões.
Bonitos, velhos.
Abertos, bloqueados, de madeira, imponentes ou simples cancelas por onde se passa para além de.
Maciços, floreados, de curvas em ferro trabalhado. Caídos das dobradiças. Desanimados
Felizmente, a alegria jovem já não os vê, descuidados no tempo em que os vão ultrapassando.
Portas para um lugar que não é desespero por acaso, porque só foi imaginado e nunca percorrido.
Se há algo que não nos desiluda é a imaginação e a sua força infinita de água corrente.
Quanto tempo se poderá viver com ela e dela?

Acaso as semelhanças




Há meses conheci pelos ínvios caminhos das teclas dos pianos e das cores dos quadros, um lugar e outros.
Quiçá não possuo 1% dos teres e saberes culturais que me têm deleitado nesse "bunch of keys", de discretos e recônditos lugares onde por vezes me perco.
Informações coloridas e a preto e branco, sobre músicas, museus, colinas, escritores, divas.
A propósito de Tiepolo.
"nnannarella" encontrará as semelhanças que me ocorreram.
E uma parte do percurso das ideias.
Passando directamente para as portas enferrujadas das lembranças ou caixinhas delas.

segunda-feira, dezembro 03, 2007

Esperar pelo solstício











Sempre se espera por algo de que temos a certeza!
Do menor dia à maior noite.
E dizia ela
(saudades da Vitória - nome de avó - e por outras razões. Doenças da memória de vidro).
...dizia: "depois do natal, saltinho de pardal".
Vitória da luz sobre a escuridão.
Deixo as amigas que mal posso esperar para rever. Uma a uma. As camélias.
É mania antiga, de muito pequena.
Mesmo reparo que as minhas manias são antiquíssimas. Pequena e grande.
As batalhas dos silêncios e as guerras das palavras.

Será a batalha das minhas camélias contra o império do Inverno.
Em vez das "Guerra das Rosas" ou "Alecrim e Manjerona"