sábado, novembro 20, 2021

O rio que não volta para trás

Foi interessante encontrar hoje este poema, numa leitura sobre "morte assistida" num jornal inglês.

E lembrei-me da proposta que redigi para o PPP para a última semana "Tacto". A primeira vez que ali se esteve em 2001, não havia bastões de caminhada mas as pernas aguentaram. Em 2011 e em 2016, as fotografias. Passeando pelas imagens do "tacto" que foi necessário reunir para uma descida íngreme - e a subida! - de um lado completamente selvagem, penso que mais de 1 km de pedras e precipícios. Os dedos das mãos e dos pés, muito atentos às pedras roladas ou agudas, tacteando o caminho. Os outros sentidos "em sentido", que era preciso observar bem o lugar perto e longe, não escorregar na visão das cores extraordinárias das pedras,  cheirar todos os cheiros das estevas e ervas do monte, torturadas para se agarrarem à vertente, a audição no máximo, que o rio Guadiana se espelhava e despejava abaixo. 


O Poema é de Kahlil Gibran, retirei-o da net. Curiosamente o rio=the river é feminino na língua inglesa:

The River cannot go back

It is said that before entering the sea
a river trembles with fear.
She looks back at the path she has traveled,
from the peaks of the mountains,
the long winding road crossing forests and villages.
And in front of her,
she sees an ocean so vast,
that to enter
there seems nothing more than to disappear forever.
But there is no other way.
The river can not go back.
Nobody can go back.
To go back is impossible in existence.
The river needs to take the risk
of entering the ocean
because only then will fear disappear,
because that’s where the river will know
it’s not about disappearing into the ocean,
but of becoming the ocean.

Sem a preocupação "se antes, se depois", a beleza dos sítios. E o meu espanto de ter lá ido. Porque agora, com os tais "de passadiços", obras enfatuadas a ser efectuadas, não se encontra sequer um caminho viável para ver o rio, mesmo de longe. Tudo é progresso, tudo são modas, tudo é efémero.












Coisas: de poemas, pedras, sentidos e afins.


4 comentários:

Rosa dos Ventos disse...

Andei pelo Pulo do Lobo há uns anos quando as pernas estavam em bom estado.
Belas fotos!

Abraço

Justine disse...

Já lá vai o tempo em que enfrentar precipícios, escalar rochedos e saltar poças eram coisas que se faziam a brincar! Pois é, ficam as memórias, guardadas por todos os nossos sentidos!

bea disse...

Concordo inteiramente com o poema no que à vida humana diz respeito. Na existência não há volta atrás. Mesmo se o pensamos possível; se o tentamos; é sempre outra volta no caminho, mais um meandro, um declive, uma descida abrupta. E é isso, no fim, deixamos de ser rio, mudamos de categoria, sendo água, seremos outra água. Seremos, poéticamente falando, oceano. Que é como quem diz, terra, pó, cinza. Regressamos à natureza.
Eu, alentejana de corpo e alma, nunca espreitei o Guadiana. Mas sei que existe e corre. Lá. Por outras bandas.
Bom dia, bettips. Gostei das fotos. Quanto a passadiços...olhe, também desconheço. Mas são um caminho fácil. Ou, mais fácil e acessível. Existe quem não consiga andar sobre as pedras por mais atentos sentidos que possua. E até há quem, ainda assim, não consiga fazer os passadiços. Imagine só. Mas, para que se constroem passadiços que impedem a vista do rio. Parece contrassenso.

M. disse...

Sim, "coisas de poemas, pedras e afins". A beleza das coisas e um poema lindíssimo.