Este lugar sinto-o como se fosse um projecto de madeireira, de carpintaria: pego no tronco, na peça/ideia e depois vou-a esculpindo, à medida do pressuposto desafio. Sobram assim as lascas do grande pedaço de pensamento sobre as coisas que me ocorrem. Para este esbraseado mês de Maio - em que devia trovejar para eclodirem as águas, sempre o ouvi dizer aos antigos - "aldeia ou povoação" foi o desafio da primeira semana. E logo me apareceram umas centenas de aldeias, as vertentes dos montes, os segredos dos vales, as suas casas de longe e de perto... foi difícil escolher.
Mas é verdade que me identifico com o que agora se chama "reciclagem" e que fazia/pensava há tantos anos... Não o aproveitamento para o lazer do luxo mas para a fruição dos lugares por gente comum. Revitalizar o antigo e acabar com os projectos megalómanos nos campos à beira-mar ou nas serras ainda impolutas. Falo porque leio e porque sei e porque vi: dezenas de casas vazias, aldeamentos de alto gabarito inabitados. O "capital" tem a palavra e compra tudo... Chama-se investimento. E eu chamo-lhe não ter que fazer ao dinheiro em projectos que sirvam uma comunidade.
Mas acho que me repito sempre nesta ideia de "humanidade solidária" em vez do "salve-se quem puder". Quantas vezes terei dito o mesmo?
Portanto, do alto da minha cátedra, que não é nenhuma e é tão rasteira como a erva do chão...ia dizer: eu gosto muito de
aldeias… Mas como não gosto de todas e, por outro lado, gosto de tantas coisas,
limito-me a apresentar umas fotografias desta. Que há anos se descobriu num
acaso, nas voltas pelo interior do Algarve: aldeia de Silveira, Pereiro. Antigo
monte de lavradores, com registo de ocupação desde o séc. XVIII, desabitada há
décadas. Forno na rua e
caminho para as casas. Andar
por ali foi uma sensação inexplicável.
O azul, parte da platibanda
Aqui acrescento que foi uma sensação de ternura desencantada, tristeza e nostalgia pelo andarilhar das gentes que ali viveram. Uma falta de seres humanos, vida. Sentir.
Terreno amado, abandonado aos seus segredos de ódio e amor. Dos dias.
3 comentários:
Se deparo com aldeias e lugares desabitados apetece-me pegar nuns cacarecos e ir para lá morar. Reatar a vida. Mas é um sonho parvo. Não gostaria de viver sem água canalizada, nem casa de banho, nem gás, nem talvez um ou outro vizinho. Admito até que, apesar de não ser medrosa, sentisse medo se, durante a noite, ouvisse ruídos. E se adoecesse, partisse uma perna...e pronto, lá se vai o sonho de viver isolada.
Mas entendo essa ternura do que foi e o tempo esboroou, bettips. Esse rasto dos homens comuns que a impiedade da natureza vai apagar. Foi ali que ergueram e pisaram sonhos, que nasceram crianças e morreu gente, que vingaram ódios e amores, que a realidade se impôs em toda a sua crueza.
Resta o lugar e a invasão.
Dói ver assim um lugar desabitado e imaginar quem ali viveu e morreu ou se mudou. Quem eram? Como se davam? O que pensavam? Em que acreditavam? O que ou quem amavam? O que ou quem odiavam? Que frustrações tinham? Que solidões viveram? Belas as cores das palavras e das imagens que se acompanham umas às outras.
Está assim o interior!
Abraço
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