quarta-feira, agosto 16, 2006

Retorno




As tuas guerras interiores consomem-te
(claro que não tens a casa destruída nem andas sobre vidros partidos
a reunir pedaços do tempo)
Por isso pensas que as tuas batalhas não têm dó nem tréguas
(pois que se vivesses alhures sentirias como o fogo pode romper a carne
e estilhaçar a pedra)
Tens amigos que morreram desaparecidos em combate ausentes em parte incerta
ou prisioneiros de outras vidas também coerentes
(contudo não vês cruzes todas iguais e brancas a sumir-se no horizonte)
Não consegues que a tua bandeira de vida seja vista como sinal de paz
(antes a confundem com um acenar de louco em janela de grades)
Sentes que a dor está só
contigo
(mas se nem um dos teus dedos cortados
sangra)
Revoltas-te que sejam outros a decidir por ti
te invadam
(todavia não morreste enquanto espantalhos se reuniam em mesas redondas)
Preferes um silêncio à mentira da piedade laica
(mas a tua sede não está longe da água e da garrafa, da fonte e do rio longo)
Tocaram-te os medos e o escuro na jaula
(e vê que da janela as tuas ruas conservam os passeios e os sentidos)
…repara então que tudo tens intacto …
para amanhã igual
e o igual tem um certo senso
de coisas conhecidas
São as tuas guerras de lava
que te ardem
que te cansam
não destruíram o essencial
Só és virgem incrédula no deserto
como chapim chegado ao pinhal queimado
e contudo ave
azul
preparada para voar mais longe

Hoje choveu-te e tu Terra respiraste um longo alívio
tal como se regressasses
a casa
….

10 comentários:

MaD disse...

Não sei explicar porque fico tão sensibilizado com esta escrita poética, mas fico.
Força Bet.

Ana disse...

Bet,

Somos dois: o MAD e eu - também fico sensibilizada.
Escreves com engenho e usas umas imagens muito sugestivas.
Parabéns e obrigada pelos momentos belos que aqui nos dás.
Um beijinho.

joshua disse...

Excelente discurso poético, esse diálogo entretecido.

vida de vidro disse...

Perpassam na tua escrita as preocupações e angústias de quem está atento aos horrores deste mundo. Mas também à dimensão humana e a todos os renasceres. Belo. **

Unknown disse...

Também fiquei sensibilizado com a angústia que põe nas suas palavras.

Pitanga Doce disse...

Benvinda à pitangueira quando quiser.
abraços pitanga

Anónimo disse...

Vou visitando os seus textos. Impressionado com a carga íntima, que deles se solta e que os alarga para longe.

mim disse...

bonitas as tuas palavras à Natureza... :)

bettips disse...

Não gosto de agradecer assim. Mas sois tantos e tão bonitos, a dar felicidade, a dar compreensão, a ser solidários. Cada um no seu estilo, enchem o ar de poesia, côr, harmonia. Beijos, meninos e meninas.

Teresa Durães disse...

Um texto lindíssimo! Já cá tinha vindo ler. agora é manhã ainda consigo comentá-lo.

Bom dia para ti.