sexta-feira, setembro 16, 2022

Outras (infindáveis) memórias

Saudades da Serra. Que já não o é como era, densa, penumbrosa, castanheiros em flor, maciços e depressões formidáveis de tempos velhos, os Cântaros e o Vale Glaciar onde se vê brotar o Rio Zêzere.

 

Aqui o lugar que também não é assim, agora

A esquina da casa que descrevi num post anterior
As cores dos velhos tecidos
O inexorável caminho do combóio, a vida que anda empurrada pelo vapor das memórias

Foi isto que o baú me trouxe, de saída em Setembro.


2 comentários:

bea disse...

A gente prende-se ao que nos acompanhou a infância. O que eu gosto de comboios. Sejam antigos ou modernos. Gosto. Mais do que andar neles, assisti acenando da gare e até mesmo de minha casa, quando não da própria via férrea, a muito comboio que chegava e partia; e a tantos a que chamávamos "O rápido". Havia vários rápidos e sabíamos as horas por vê-los ou ouvi-los. Tinham por nome o horário em que passavam: o rápido das sete, o das oito, o das onze... O rápido passava num átomo e levantava um vendaval que nos agitava cabelo e roupa, quase nos fazendo cair, umas pedrinhas atiradas com força e que nos magoavam um tanto. Lembro-me da minha árvore, um sobreiro rente à linha, com forma de cavalo e em cuja sela só montava ajudada por meu tio. Se minha mãe estava fora, na hora do rápido, corria à desfilada, subia com esforço - muita vez de gatas, era quase a pique - a barreira da via férrea e, chegada lá acima, encostava o corpo - o mais que conseguia - no tronco do meu cavalo. Ficava ali a sentir a trepidação, cabelo numa fúria e as saias a colarem na cortiça da alimária vegetal. Não há cavalo de que tenha gostado mais.
De serras pouco sei, a teoria dos livros não as tornava conhecidas e a imaginação oferecia-me apenas um monte de terra em bico. O que me espantava era que houvesse árvores e ali nascessem rios. Soava-me a aldrabice, como é que num bicudo monte de terra, podia haver tanta coisa, um rio desmanchava aquilo tudo.
Entendia e ainda entendo alguma coisa da planície a perder de vista e rente ao azul, do céu paternal baixando-se a beijá-la, da terra agónica no estio e dos sobreiros desgrenhados e firmes como homens de honra cumprindo a palavra dada; aqui e ali, azinheiras gráceis e maternas, a copa arredondando como um ninho. E era assim. Sem outras fotos que as da memória. Tem vezes em que o cansaço se adentra pelo sentimento e dá nisto.
Bom fim de semana, bettips.

M. disse...

E muito belas são estas de que nos falas e mostras o rosto. Mais virão para serem apreciadas.