quinta-feira, julho 19, 2007

O Capuchinho Vermelho era Branco





Haveria muita gente que gostava de ver aqui.
Vislumbrar.
Uns perderam-se, outros morreram, outros divorciaram-se, outros foram para longe.
Amigos que partilhavam coisas suaves e calçaram as botas cardadas.
Nem pé ante pé saíram. Mudaram de via e os seus passos ficaram a ressoar-me.
(Que eu tenho assim uma memória invulgar e marcante para o que me interessa ou interessou).

Outros não ligam a estas coisas e ligam a outras.
Alguns não me conhecem ou "re" ou "já não"
Já me disseram que viram e é engraçado mas não comentam, só leitura oblíqua, se tanto.
Não sabem dizer olá, nem hello. Nem como estás!
Como dizer como estás? se não estão?

Preferem, se calhar, passar olhos por outros entretimentos.
Conhecidos e mais chinelares.
Que nem arte tenho, só vontade de ter.
Quase que me sinto livre com as minhas lembranças sem nome.

Ofereceram-me Gardénias há-de haver um tempo infinito. Sabia lá eu o que eram "gardénias"... Fiquei a saber: de Arte, de Livros, de Estrangeiro, de Pintura, de Antiguidades. Viagens, casas bonitas em zonas nobres - era uma casa branca, baixa, mal se via o telhado preto, distinta das outras - motorista às ordens, jardim...camélias, bunganvílias, gardénias: um mundo aberto com passaporte dentro.

Lembrei a propósito da gente que atravessa de passagem as nossas vidas.
Mas também porque: "Inutile de tirer votre épée pour couper de l'eau: l'eau continue à couler" - citação de Li Po.
Há uns anos passei e vi "Leilão da colecção de quadros pertencentes a tal e tal".
Não tive coragem de ir ver, decepadas que eram as mãos do tempo.
Isto porque há tantos anos que não via as flores, um cheiro adolescente. Dei com elas numa curva da tarde e confesso que cortei uma, escondidamente.
Que divide o seu cheiro agora comigo e uma memória de atravessar a floresta.
Não, não há "lobos maus": há "capuchinhos ingénuos".

34 comentários:

Espaços abertos.. disse...

As flores decepadas são pequenos cortes da vida,num tempo infinito.
Bjs Zita

Belzebu disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Belzebu disse...

Nem que mais não fosse, teria valido a pena passar por aqui. A vista do nosso Douro, é sempre um regalo ao olhar!

Um abraço infernal!

P disse...

Há capuchinhos muito ingénuos mas também há lobos...menos bons e caapuchinhos maus e lobos ingénuos...
Abraço

M. disse...

Este teu texto parece-me um suspiro dolorido e desiludido. E digo suspiro porque o sinto dito baixinho, não dito em voz muito alta como alguns textos que aqui já tenho encontrado. Será? Não sei, apenas sei que os suspiros são bonitos e delicados.
Um beijo.

Teresa Durães disse...

Tenho conhecido esse Estrangeiro; estrangeiro de mim. Nas botas cardadas que teimam em não sair dos meus pés. Não tenho cá passado, nem dito olá nem nada. Eu faço parte dessa gente que parece ter virado costas de repente. Fossem antes entretimentos; preferia ser caluniada mas nem posso dar essa vontade.

Não sei como é o capuchinho, tão pouco se ingénuo mau ou bom.

Sento-me na bancada do tribunal e assisto ao desenlance desse Estrangeiro. Quando volto à cela onde aguardo o final espero, tal livro, que no fim hajam pelo menos os tais gritos de ódio.

beijos

hfm disse...

Gostei do texto apesar de nele sentir um tom de desilusão.

E como não gostar se encontrei Li Po e essa frase magnífica: "Não tive coragem de ir ver, decepadas que eram as mãos do tempo".

Um abraço

Anónimo disse...

nostalgico, inspirador o teu texto:)
aromas, imagens... resgatar a memória e devolvê-la aos sentidos...
lindo...
beijinhos
ac

bettips disse...

"ac...ac..." nada curiosa com a vida dos outros, sou curiosa com a minha. São dois tiros no contra-torpedeiro e eu há que tempos não jogo a batalha naval! Não sendo o "presidente eleito", e presumo que ande ocupado a despejar gavetas, quem poderá ser? Aqui fica a questão, impertinente (com beijinhos) ou pertinente (com abraços).

Isamar disse...

Gostei muito, como sempre!Das imagens, muito bonitas, e da mensagem do post. Os lobos maus, já não os há? Estão em vias de extinção ou extinguiram-se de uma vez por todas? Não acredito! Os capuchinhos mudaram de cor? Mas isso acontece tantas vezes!
Desiludida? Ou em momento de reflexão?
Beijinhos

sa.ra disse...

:)

reactualizações da memória.


beijinho
tem um dia muito feliz

jlf disse...

... Pois, mas eu estou.
E para mais que as habituais cortesias, para além do olá!

Não estou certo é quanto a que grupo me juntar. Penso que, apesar de tudo, não será ao dos que te não conhecem; menos ainda ao dos que te não reconhecem ou dos que te já não reconhecem...

Ainda que em todos nós habite um psicólogo (e um louco, e um médico, e um advogado... etc), não sei como classificar este "pathos"... Simpatia? Empatia?
Estou em crer que a amizade é compatível com a ausência e a abstracção física. Mesmo fora do âmbito do platonismo...
Sei que anti ou apatia, estão arredados... Mas como se classificará este estado dalma?

Em cada um de nós existe também esse nostálgico, que te revelas aqui. Há sempre algo que ficou "suspenso", "perdido" ou "esquecido". No espaço dum tempo ou dum lugar... Abandonado, até, também. E, quantas vezes, com que sobejas razões... Ou com que ignorados motivos...
O espaço é reduzido e o tempo é escasso, mas a vida é a soma de todas estas parcelas, é o filme de todos estes momentos, é a memória de todas as vivências.

Há sempre os tais passos que nos ficam a ressoar: uns de saudade; outros de mágoa.

Alto! Mas estamos vivos!
E o futuro é em frente. Esse é que nos espera. Vamos!

abr
zl

mafalda disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
mafalda disse...

Querida Bettips,
É tão bom ler-te. É bom saber-te. É bom sentir que te conheço e que me conheces,ainda que virtualmente.
Fotografias lindas que aí tens, a acompanhar essa escrita tão característica da pessoa linda e singular que és. Eu ando por terras de Irlanda, de momento,e estou a sorver cada instante da viagem como único. A ilha verde é mesmo de conto de fadas. Pena que a minha câmara não seja grande coisa e que eu, como fotógrafa, também deixe muito a desejar... de qualquer modo, como auxiliares de memória, daqui a uns aninhos, sempre hão-de servir!...
Beijos e até breve.

Meg disse...

Agora não gostei desta sensação que me ficou depois de te ler e reler... acho que "tresli".
Tristeza? Desengano? Decepção?
Que te apoquenta? Não o dirás, sei.
Cada um tome a parte que lhe couber!
Entre lobos e capuchinhos me perdi há muito e já não os (re)conheço. Porque eles (ou nós?) são incontáveis.
Sinto-te triste e isso não me deixa feliz, nem que me enganes com as fotografias mais belas.
Quero-te feliz, só!!!
Beijos

Manuel Veiga disse...

talvez a floresta seja traiçoeira. e, por isso, nem lobo,nem capuchinho se salvem...

gostei muito.

Maria Carvalhosa disse...

Olá Bettips,

E se eu agora, assim de repente, te fizesse uma declaração de amor?
Não no sentido de amor carnal, de desejo sexual, enfim, nada de conotações associadas ao amor físico, mas amor por ti, pela mulher que sinto que és, pelo que leio de ti, o que é escrito pela tua mão e o que é não-escrito pelo teu lado que, naturalmente, não expões, que preservas, mas que se sente, se pressente em cada post teu e em cada comentário aos posts dos amigos que visitas.???

Parecer-te-ia muito estranho? Sentirias repulsa? Pensarias que sou "avariada dos miolos"?
Nunca, até agora, senti esta necessidade de afirmar, publicamente, a minha profunda admiração por outro ser humano, ainda por cima alguém com quem apenas troco palavras num universo aberto. Alguém que, na realidade, desconheço... tu, Bettips, irmã de espírito, desencadeaste em mim esta vontade irreprimível de dizer o que sinto em relação a ti, sejas tu quem fores... será que me faço entender? É bizarro e fora do normal, eu sei... é quase como se tivesse sido tomada por um sentimento religioso de pendor confessional (imagino) e a minha salvação (enquanto pessoa) dependesse deste pedaço de escrita, de alma aberta, sem vergonhas nem temor de julgamentos
por parte de quem lê.

(Ando a abusar do ópio, é o que é!!!) - (risos) - ou isso está completamente fora de moda? Lembrei-me de Pessoa e como não consumo drogas (duras ou leves) o ópio foi o único que me ocorreu.

Agora já está. Nem vou reler e vou publicar. Hoje sou uma pessoa diferente, que se está "nas tintas" para o que de louco esta declaração possa conter e para o que os outros possam pensar. Uma pequena ressalva: gostaria muito que tu, amiga Bettips, não levasses a mal este meu desvario de uma sexta-feira pela noite dentro.

um beijo (com muito respeito e amizade).

Frioleiras disse...

A Natureza...
tão bela,
mas tão maltratada,
tem sido,
pelo Homem !

teresa g. disse...

Os amigos são assim. Uns perdem-se outros divorciam-se. Outros são amigos da onça, não lobos maus. (Estou a pensar nos meus, claro, e nos reais, não nos virtuais, mas vai dar ao mesmo.) No fim fica alguma coisa e ficam alguns. Por isso é bom ter as portas abertas para os deixar entrar, embora vigiadas por causa dos lobos maus que também andam por aí.

Mas sempre me lembro de uma citação que era mais ou menos assim 'para não os perder é preciso deixá-los partir' (A. Roy, não era exactamente assim, mas vai dar ao mesmo). Que fazer? Deixá-los partir!

Beijos

o Reverso disse...

bestial, o texto.
li com enorme agrado.
e as imagens também.

Anónimo disse...

bettps?
não entendi!!?
o que terá num elogio causado esta hostilidade?

obrigada
ac

rui disse...

Olá

Eu certamente gostaria de voltar a rever essa belíssima região e, em particular o Douro na zona do Porto.
Lindas fotos.

Que tenhas um lindo fim-de-semana
Beijo

Era uma vez um Girassol disse...

Então, Bettips, seja...
Branco é das minhas cores preferidas, tantas vezes me visto assim...
Mas que tristeza é essa? Nem parece teu!!!!
Vá, aqui estou para te abraçar, mimar, acompanhar nesta visita ao Porto dourado!
Beijinhos

bettips disse...

"ac" nada de hostilidades!...não sei quem és. Matuto, penso e nada. É só, e brincava com as palavras.. Não tenho ligação ao teu lugar... mas agradeço a tua saudação, claro.

segurademim disse...

... um amor-perfeito amarelo com olho roxo mesclado e lindo... o meu primeiro "fananço" num jardim a caminho da escola

e a desculpa do costume: é para a minha professora

depois, o arrependimento da mentira. foi direitinho para o meu livrinho de recordações, que abro e revejo sempre que necessário...

[sim farol, ontém novamente o do meio :)) ]

Anónimo disse...

bettips
não tenho lugar, sou uma ave migratória!
não tens de saber quem sou! para quê?

por vezes, saber a quem elogiamos também é importante...
assim sendo...e presumindo que não precisas dos meus elogios para nada...
boa sorte em tudo
ac

Conceição Paulino disse...

Não tenho tempo para "ler" e "ver" passei os olhos e as fotos são um encanto de beleza. Vim só dizer k não recebi nenhum email - irei confirmar se está errado. P.F escreve para: Tostimara@gmail.com
Bjs. Luz e paz e um excelente restinho de domingo com chuva e tudo k assim pelo menos não arde o k nos resta de país.

Conceição Paulino disse...

voltei - o email k lá está é este e est+á correcto. Alguma anomalia ocorreu. Bj

Unknown disse...

ver a nossa terra na blogsfera é sempre um regalo para os nossos olhos nortenhos.

bonitas fotos

Ruela disse...

Paisagem ímpar!

Alberto Oliveira disse...

"O Capuchinho Vermelho Era Branco E Outras Vezes Rosa" dava um belo título para uma história para todas as idades com sérias reservas e bola azul no canto superior direito do aparelho televisivo. Ah! e o lobo só podia ser verde-menta (da cor do chá das cinco sorvido sem maneiras pelas quatro horas da tarde) e que não poupava (escrevi "poupava" e não "papava") olhares cúpidos à avózinha. Todo ele (rabo e dentuça)era gentilezas para com a idosa senhora: levava-a a comprar roupas no Chiado e oferecia-lhe livros adquiridos na Bertrand. Depois encontravam-se com o Capuchinho-Vermelho-Era-Branco-e-Outras-Vezes-Rosa (que tinha vindo do treino na Luz)e perguntava de chofre ao Lobo: "Porque raios estás pintado da cor da esperança?!" e ele muito sério (leia-se "sem se desmanchar") e dengoso respondia-lhe à letra: "É para ver se tenho sorte contigo... " e muito felizes tiravam fotografias ao Fernando-Uma-Jóia-de Pessoa que os olhava estupefacto. Não era para menos; as fábulas do nosso tempo são de contornos insondáveis.


abraço.

Bichodeconta disse...

Bem lobos maus há-os por ai aos montes, capuchinhos a fazer-se de ingénuos também não faltam, acho que mudaram foi de personagem.. ACHO QUE AGORA OS CAPUCHINHOS SÃO MAIS PERIGOSOS DO QUE OS LOBOS DITOS MAUS... UM ABRAÇO E BOA SEMANA.

Chanesco disse...

Em Toulões, branco era o lobo e o Capuchinho não tinha cor. Não tinha cor, nem de raiva, nem de medo e muito menos de vergonha porque a dignidade é transparente.

Gostei deste teu texto digno como o poema da água que corre seguindo o seu curso, mesmo que cortado a golpes de espada.

Um abraço raiano

APC disse...

Eram quadros... Foram cardos?...
Adorei as imagens e esse perfume de memórias sensíveis camufladas.

Quase que me sinto livre com as minhas lembranças sem nome. - bonito!!! :-)))