quinta-feira, julho 27, 2006

Arte e Cultura

Tenho de resolver este problema comigo. Das penas.
Da pena que sinto ao ouvir a Maria João Pires, numa entrevista dada no Brasil (onde vive agora - quando é que isso aconteceu? que perda nossa, tão silenciosa) dizendo ..."acreditar na arte como tábua de salvação da humanidade".
Por acaso, vi a encenação da "fuga de cérebros" no aeroporto de Lisboa: os nossos cientistas, os nossos estudiosos, tiveram de fazer um teatro-manifestação alertando para a falta de condições para investigar, para estudar mais. Gente que vive de subsídios e mão estendida. Pela forma ousada como se mostraram, tiveram honra de telejornal. Ainda bem: foi uma boa forma de mostrar o mal como este País trata os seus melhores.

Isto devia ser dito aos gritos. Estas notícias deviam ser carpidas. Rugidas.

A pena imensa, a impotente raiva. Porque numa fotografia está um pombo pousado, na calma da manhã e dos ruídos costumados. Aqui, Portugal, que se enreda na Paz e no ar condicionado dos supermercados. Ave não é capa da Time, a não ser que seja sobre a "gripe" e o que gastam as multinacionais em investigação de vacinas.
Pois que se vendem melhor os escombros.

Quantos morreram já, só nestes dias?

E não tenho coragem de pensar nos buracos dos prédios em Beirute e nos olhos aflitos dos meus irmãos. Nos buracos dos olhos das pessoas e das casas. A desordem e o terror da guerra.
Não leio. Não olho. Tenho pena infinita. E nem acredito no que me dizem sobre arte e cultura.

Queria pensar que há "outros" mundos, como este que trazia aqui.
Já há dias que queria falar na exposição do Museu de Arte Antiga e não só pelas obras.
No anúncio da exposição, em Maio, tinha lido que a coleccão particular do Dr. Gustav Rau foi doada à Unicef e fui procurar quem era este filantropo. O que soube, enterneceu-me: ele doou a sua colecção extraordinária de mais de 600 obras de arte, na condição de ela poder ser vista pelo maior número possível de pessoas . Assim, a mostra destas 95 pinturas "De Fra Angelico a Bonnard " representam o seu retorno à sociedade civil. Muito especialmente, às crianças e aos mais miseráveis a quem o Dr. Rau acompanhou como médico, em Africa.
A história deste homem é muito bela. Como cultura, arte e humanismo se podem entrelaçar, numa vida admirável.
O propósito da minha passagem por Lisboa continha o projecto da ida à exposição. Foi com respeito e comoção que olhei os quadros, lembrando-me do que sabia sobre o coleccionador.

- Canaletto e a sua Veneza dourada
( no seu hospital, o Dr. Rau recebia entre 2 a 3 mil doentes por ano)
- Claudet Monet e o seu mar revolto "As pirâmides de Port-Coton"
(eram distribuídas cerca de 8 mil refeições diárias)
- Renoir e o rosado do "Busto de Mulher", um quadro pequenino (35x27 cm) que o nazi
Goering tinha escolhido para a sua colecção particular
(a partir de 1989, deixaram de se registar mortes por má nutrição, no raio de influência do
hospital)
- Jean-Baptiste Camille Corot e a persistência do olhar da sua "Argelina"
(O Dr. Rau custeou a escolaridade de cerca de 30.000 alunos por ano)

O sentimento da vida aleatória que nos é dado viver.
Fala-se da Nigéria, da Rep. Dem. do Congo e do Ruanda, anos 70/80/90, neste planeta Terra. Vidas salvas. Vidas que hoje se perdem com os exércitos dos presidentes em acções de prevenção ou democracia, ou lá o que lhe queiram imputar, à GUERRA.

Lamento que sejam 3h da manhã e que este meu apontamento esteja truncado de imagens, ideias e penas. Ir-me-ei descobrindo, quando calhar.
Todos os elementos foram recolhidos de notícias soltas e do catálogo da Exposição.
As imagens ... bem as imagens foi o que me deu na gana de incluir. Do jardim calmo e aberto onde pensei o que vi. Das ruas e estátuas. E como sempre, das árvores e céus.

2 comentários:

MaD disse...

Novamente encantado pelas lindas imagens (pena serem em formato reduzido) e pela profundidade das palavras, aqui lhe deixo o meu obrigado.

lagarto disse...

Também eu acredito na arte como "tábua de salvação da humanidade". Arte e cultura são, foram e serão formas de expressar o mundo. O filantropismo tende a diminuir de dia para dia mas, este exemplo é de louvar.

Parabéns, pelas palavras sensatas e pelas excelentes fotos!!