domingo, maio 27, 2007

Torre


Por vezes, quando parecia que não conseguia fazer-me compreender, em simples trocas de palavras ou opiniões, perguntava: mas eu estou a falar chinês?

(Isto antes da grande potência, agora assustadoramente emergente, se ter espraiado por tudo quanto é sítio. Porque agora eles compreendem bem as nossas hesitações e dizem-nos "é balato" ou "plice", a gente compreende, ou a mímica funcional baixa-nos as barreiras!).

Realmente, sendo que eu privilegio a palavra como fonte de entendimento, raras vezes sentia os outros em sintonia com o que digo. E, ainda, muito menos com o que penso. É frequente reparar que a concordância é puro instinto de grupo. Se tens um pequeno mal a relatar, alguém te submerge com um mal maior. E no fim "everything is going to be all right"!

Onde pretendo gentes que falem a mesma língua.

Aparece-me, cínico, um dos meus pintores de estimações: Bruegel e "A Torre de Babel", de 1564.
Sentindo-me, como sou, uma caçadora de sonhos, tive o assombroso gosto de procurar e ver o original no Kunsthistorisches Museum, de Viena.
No sec. XVI o pintor meditava sobre a importância de nos entendermos hoje.
Loucura, progresso ou ousadia humanas?
Ou a solidão em muitos lugares e às vezes, com tanta gente à volta.

15 comentários:

Isabel disse...

Loucura, progresso e ousadia humanas.
Sabes querida B, cada dia abraço mais a loucura, cada dia mais me entrego à minha própria ousadia e mais admiro todos os que ousam... mas estou cansada do progresso, confesso, cansa-me, este não parar nunca, este ritmo imparável em direcção nenhuma. para a frente dizem eles. mas o que é para a frente, onde é para a frente, porquê a este ritmo frenético sem tempo para olhar para o mundo que passa ao lado de nós a alta velocidade, cansa, cansa, cansa...
Isola-nos cada vez mais este ritmo.
Não temos tempo par criar linguagens comuns... códigos, jardins onde cheiramos as mesmas flores, cansaços comuns onde partilhamos a dureza dos mesmos troncos...
Temos de criar primeiro tempo e depois a linguagem comum, como o tempo urge só o fazemos quando um laço instintivo nos ata o coração e nos diz que vai valer a pena... temos medo do que possa não valer a pena... nada pior nestes dias que perder tempo.
como se o tempo que usamos para olhar os outros pudesse ser perdido... é sempre ganho não é?

Gosto de perder/ganhar tempo a olhar-te, gosto deste tempo em que contorno os teus pensamentos e emocões e penso e me emociono contigo.
Gosto de aprender a falar a tua linguagem e falar-te na minha que sei que entendes.
Gosto de falar-te nos mesmos silêncios ou noutros diferentes desde que te fale.
"Solidão em muitos lugares e às vezes, com tanta gente à volta".

E às vezes, ninguém à volta e não há solidão porque sei que estas aí.

Abraço B

Isabel

Meg disse...

Bruegel aqui?!!!
Sabes o quanto gosto de Bruegel, mas não sei explicar porquê. Porque me diz tantas coisas. Porque me dá tantas respostas. Porque me perco nas telas, esquecida do tempo. Porque me esqueço do século em que viveu, porque o sinto hoje.
PORQUE SIM!
Um grande abraço, minha Amiga

Era uma vez um Girassol disse...

Ousadia e loucura, palavras que entendo...
Vale a pena ousarmos para avançar sempre.
Vale a pena sair do sério para encontrar novos caminhos.
Sempre belos os teus textos,cheios de significado.
Mas por vezes é preciso parar...e reflectir.
Para encontrar um novo equilíbrio.
Beijinhos

jlf disse...

Essa solidão já a experimentei...
É terrível!
zl

jlf disse...

Já agora: da outra, gosto.
Procuro-a. Quantas vezes!
zl

Teresa Durães disse...

ousadia e loucura é saudável. entre o falar e o escutarem... existe um universo! Desisti de pensar no assunto, falto com o papel que me vai escutando.

(cansei-me de vítimas da vida, das doenças problemáticas que são meia dúzia delas e todas anunciadas como terríveis e dolorosas. Ainda me dizem que sou insensível e não compreendo. Agora é o cancro. Estou farta de propaganda. Sim, mata. Tanta coisa que mata. Deixem-se de melodramas)

Sabes, talvez seja bom que a torre não exista. Assim fico sossegada no meu canto. Entro e saio nos que gosto e chega. Não quero compreender um bilião de gente.

Tem um bom dia

hfm disse...

Da solidão, das solidões, das vidas solitárias.

Magri disse...

Então não tem piada viver nesta torre de Babel?
A gente só ouve para dentro: para quê perceber os problemas alheios, quando os próprios são imensamente mais importantes?
E quando é preciso falar, tem muito mais piada se for em forma de charada: para ver se os outros adivinham, ou como é que eles se vão desenrascar a fingir que perceberam (porque eles não vão querer passar por estúpidos, claro).
Nem é preciso o Chinês para nada, estas habilidades babélicas são supra-linguísticas.
E cada um continuará tranquilo na sua torre (de Babel ou de marfim, segundo os gostos).

Bjinho.
P.S.:Deixei resposta ao teu comentário.

sonhadora disse...

Caminharei pelos trilhos da noite, sempre sonhando. Não deixarei que me destruam os meus sonhos ainda que digam que os não tenho.Será que não é um direito de todos nós?
Beijinhos embrulhados em abraços

Chanesco disse...

A falta de tempo tem-me trazido um pouco alheado dos blogs amigos, mas é sempre maior a satisfação quando volto e, passado algum tempo, verifico, que pelos trilhos que todos pisamos na blogosfera, se perde o rasto ao companheiro de viagem, voltando a reencontrá-lo num ponto comum: o ponto de partida desse caminho encaracolado, qual corredor helicoidal da torre de Babel, cuja derrocada está tão eminente como num castelo de cartas, mas que não nos impede de procurar atingir o topo – lá onde mora o sonho.

Um abraço raiano

Isabel José António disse...

Cara Amiga,

Aqui passámos a deixar um beijo e os parabéns pelo blogue. Adorei as dunas e trilhos especialmente...
Lembram-me a aspereza e o cheiro do mar, a suavidade quante da areia no verão e o grito azul das gaivotas.

Queria pedir-lhe que passasse no Observatório (através do nosso Perfil chega lá facilmente).

Isabel

mafalda disse...

Querida Bettips,

Gosto muito deste teu post. Esta Torre de Babel de Bruegel (que desconhecia) é um pintura lindíssima e o teu discurso não se lhe poderia adequar mais, dada a simbologia atribuída à mesma. No entanto, acho que a questão que levantas e trazes para a discussão, está respondida por ti própria, na conclusão do texto:: "...ou a solidão em muitos lugares e às vezes com tante gente à volta".

Um beijo.

teresa g. disse...

Ainda há dias outro jardineiro se queixava do mesmo. Palavras são coisas limitadas, caramba! E nós somos criaturas diferentes, enfiadas num saco fechado e espesso e tentando criar pontes. Fora daqui através de sorrisos, toques, sons. Aqui só ficam as palavras. As limitadas palavras. Fazer o quê? Ficamos por elas, que remédio! Fazemos o que podemos com elas. Melhor que nada. Não? (Às vezes também fico completamente baralhada!)

EStou a pisar o risco outra vez, a visitar blogues quando devia estar a trabalhar. Trabalho de secretária argg! Depois venho espreitar as conclusões, se as houver.

Beijinhos

mac disse...

Acho que a tecnologia, como a Internet, tornou mais próximos esses mundos tão distantes.

Maria disse...

Um pouco de tudo isso, loucura, ousadia...
"Solidão em muitos lugares e às vezes, com tanta gente à volta".

Gosto de Bruegel...

Beijinhos